Fialho de Almeida morreu há cem anos. Entre outras fontes também disponíveis na Biblioteca, é possível ler no Vidas Lusófonas, uma das ligações do nosso blogue, uma biografia deste escritor ainda pouco conhecido, apesar das suas enormes qualidades. No sítio da Biblioteca Nacional é possível ver alguns dos seus livros digitalizados: Contos e Os Gatos.
A sua obra mais conhecida é exactamente esta última e é constituída por uma série de textos em que faz um retrato da sociedade portuguesa dos finais do século XIX. A linguagem aí usada, para além de rica e variada, é extremamente crua, mordaz e agressiva, o que lhe valeu algumas críticas dos seus contemporâneos. Para além disso, deixou uma obra de contista que merece maior atenção por parte dos leitores portugueses: Contos (1881), A Cidade do Vício (1882), Lisboa Galante (1890) e O País das Uvas (1893). Tendo sido contemporâneo de Eça de Queiroz, o retratista da burguesia, Fialho dedicou-se, sobretudo, a escrever sobre o povo.
Na nossa Biblioteca, existe um exemplar de O País das Uvas. Aqui fica, como aperitivo, o início do conto “A Velha”:
“Entretanto, os senhores ficam avisados de que esta história é um pouco triste. Era uma velha que vivia em companhia do filho, numa aldeia da Bairrada, lá para as bandas do Luso. E o filho era casado. A mulher dele não gostava da sogra, como é uso, e zus de uma banda, zus doutra, lá vinha sempre a assanhada da moça meter-se coa pobre velha, que tudo ouvia, coitadinha, sem retrucar uma palavra. O seu coração golfava amargura e tormentos, por vezes, naquela cabana de campónios, onde as inércias da doença e a invalidez dos anos quase lhe não deixavam mexer palha, da lareira para o quintal e do quintal para a lareira.
Por mais que ela se encolhesse nas estamenhas velhas do seu trajo, por menor que fosse a bucha arrancada à broa de milho, durante as refeições, sempre o seu vulto estorvava os outros na cabana, e sempre à volta da banca, sorvidas gulosamente as últimas colheres de caldo verde, alguém ficava com ciúmes do que a velha ia mastigando, com os seis trôpegos dentes que ainda restavam na sua boca murcha de não rir há muito tempo.”
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